quinta-feira

Poço

Foi o tempo em tempos perdido,
Num mar bravo não esquecido,
Em flor nova de aventura,
Numa névoa nunca escura.

Nem num minuto ou segundo,
Me encontrei no fim profundo,
Numa paixão clara que já era,
No pouco amor que nunca dera.

Mágoa foi que nunca roguei,
Até porque nunca encontrei,
Deixo-me livre e a pensar,
Num breve lamento de olhar.

E aquando da falta de um sinal,
Numa alma sempre igual,
Seja ela forte ou dura,
Tanto bate até que fura.

Unidade que me tranquiliza

Entras pela luz da fogueira,
Numa dança que te clareia,
Bates os pés na terra com dureza,
Levantas os pós da certeza.

Embalas uma canção nunca vista,
Dança de pernas egoísta,
Arrancas cabelos em soltura,
Num movimento que perdura.

Iluminas a floresta apagada,
Numa coreografia pouco ensaiada,
Tornas o frio em coisa quente,
Carregas o meu futuro no ventre.

Fogo que te move, vê e aquece,
Levanta-se a chama que me enlouquece,
Juntamos os corpos em acto comum,
Na única dança em que fomos um.

Casa

És Dom sol que se abre aos céus,
És vida pura em olhos meus,
Tens seio materno que nos amamentou,
Vives na guerra que Deus te fadou.

Montanha homem, antes menino,
Que nas veias escorre o fatídico destino,
Gritas de noite e perfumas o dia,
Sons próprios teus que mais ninguém cria.

Pai foste e hoje nobre cavaleiro,
Vales de força em campo inteiro,
Ondulam armas sem te poder ver,
Entregas os braços sem saber perder.

És vida inteira em causa tua,
Dono da terra, das estrelas e da lua,
Império oculto que ninguém se intromete,
És vida em sonho, meu pequeno Tibete.

As dez montanhas mais altas do mundo e tu.

Por três vezes te ergues no mundo ,
Rodas nas trevas por mais de um segundo,
De um sonho negro que não é só meu,
Dono do despertar que nunca foi teu.

Por seis vezes as mãos ele ergueu,
Toque no céu que antes se escondeu,
Foges das alturas e da alma que teme,
Preferes o mar e controlar o leme.

Tu que um dia ousaste amar,
Por portas altas onde só podias matar,
Cavernas escuras que não mostro ou desvendo,
Arrombas a porta com um amor tremendo.

Entraste com velas onde hoje me roço,
Cantaste músicas que ainda agora oiço,
Tocaste no meu cume como seta em água,
O que sinto hoje é amor, não é mágoa.

Escalas a montanha com a bandeira na mão,
Cravas no peito num acto de união,
Desistes do jeito e sais a voar,
Hoje pergunto o que te levou a entrar?

Niñas

Na página certa escreves um conto amigo,
Acendes o fogo que trazes contigo,
Arrastas a pedra pesada sem querer,
Escondes a obra que teima em aparecer.

Foges em cruz numa noite obscura,
Seguem-te na ânsia de quem te procura,
Deixas-te cair sem que te queiras achar,
Pedes amor ao sol e a força ao mar.

Encontras a cidade que nunca te quis,
Esqueces as ruas onde foste feliz,
Pintas as paredes de um amor de outrora,
Escondes-te de um outro de hoje e agora.

Nesse cantar imaculado e puro,
Buscas em ti um porto seguro,
Força em tudo e venha o que vier,
Melhor que isto tudo é ser-se mulher.

Acerca de mim

Gosto do sentido agri-doce

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